19 de dezembro de 2016

Greca prevê início difícil, com crise e dívidas

O engenheiro Rafael Greca (PMN) assume a prefeitura de Curitiba pela segunda vez no próximo dia 1º em um cenário muito parecido ao que enfrentou no início de seu primeiro mandato, em 1993. Assim como hoje, na época o País atravessava uma grave crise, que havia derrubado um presidente e jogado a economia para uma expiral de recessão e incertezas. E às vésperas de tomar posse, ele mesmo admite não ter ilusões sobre o quadro que terá no começo de sua nova administração. E já prevê que provavelmente terá que renegociar dívidas e priorizar o indispensável para atravessar esse início de gestão. 

Até por isso, já decidiu que reduzirá a “máquina”, cortando cargos e secretarias, e escalou um secretário das Finanças – Vitor Puppi – que ele mesmo define como “especialista em ajuste fiscal”. “Eu vou fazer uma prefeitura suficiente”, explica. “Se eu assumir em um quadro em que não possa honrar os compromissos imediatamente, vou ser obrigado a escalonar isso. Não tem outra saída”, avisa o prefeito eleito, em entrevista ao jornal Bem Paraná.

Bem Paraná - Qual foi o critério que o senhor usou para escolher os secretários?

Rafael Greca - O critério é eminentemente técnico. Os partidos políticos que me apoiam foram muito corretos nisso. Não exigiram nada que não fosse possível de cumprir. Nós teremos doze secretarias. E a procuradoria e as autarquias e fundações.

BP - Qual a intenção dessa redução?

Greca – Ela tem um caráter econômico. Se eu faço de duas secretarias uma eu economizo um monte de cargos. A mensagem é que os governos do Brasil precisam trabalhar. Esse tempo de pós-verdade, pós-Lava Jato pede que o povo seja reconquistado pela eficiência dos governantes. O secretário de Finanças (Vitor Puppi) é um especialista em ajuste fiscal. É formado pela universidade de Berkeley e foi convidado diante do quadro de grande gravidade que se desenha das finanças municipais. A arrecadação entre 2012 e 2016 subiu 28% e a despesa com pessoal subiu 70%. A doutora (atual secretária de Finanças) Eleonora Fruet lança a receita do transporte coletivo como receita corrente líquida, o que não é verdade, porque se a gente tirar esse recurso da conta a prefeitura já estaria no limite prudencial da responsabilidade fiscal. Então não é quadro para promoções, plano de cargos e salários, nem para mais contratações. Muito menos para uma oficina de música que vai remunerar estrangeiros quando falta remédio nos postos de saúde da cidade. Nós vamos colocar tudo na mais absoluta transparência.
BP – Como o senhor avalia o processo de transição?
Greca – Não é republicano. Não nos deram as informações. É muito travado e ressentido. Eles estão amedrontados e estão tentando construir uma saída. Nós sabemos que eles não estão deixando os fornecedores empenharem as despesas, o que deve fazer a dívida muito maior.

BP – Em 31 de março tem a data-base do reajuste dos servidores municipais. Ela será mantida ou revista?

Greca – Nós vamos tentar preservar a capacidade de pagamento da prefeitura. Nós estamos no limite prudencial. Se o limite prudencial for comprovado eu não posso dar aumento, sob pena de improbidade administrativa. Se eu puder corrigir os salários, eu farei isso de muito bom grado. Eu vou trabalhar para preservar a capacidade de pagamento da prefeitura. Agora eu tenho que ter uma prefeitura que seja para o povo de Curitiba e não que seja um ente egoísta que devora todos os recursos públicos só para se autoremunerar. Uma prefeitura que existe por si mesma. Ela tem que existir para o povo.


Dívidas


“Teremos que negociar com os fornecedores”

Bem Paraná – A Câmara aprovou o parcelamento da dívida do consórcio do lixo. Há informações de dividas com previdência e outras áreas. O senhor teme que isso possa comprometer o início da sua gestão?

Rafael Greca – O parcelamento da dívida do lixo eu concordei. Porque é melhor do que eu tenha que pagar tudo de uma vez só. Eu vou ter que negociar com todos os fornecedores. Eu tenho que ter muita responsabilidade, porque eu poderia decretar uma moratória de seis meses, por exemplo, porque eu poderia quebrar empresas. E não é do meu interesse quebrar ninguém, porque vai haver mais desemprego. Eu tenho que fazer isso aos poucos. Porque, por exemplo, se eu não pago as pequenas empresas de limpeza e conservação... O Fruet já despediu um monte de gente. Eu vou despedir mais gente ainda, vai ter mais miséria na cidade? Vamos ver o que vai acontecer. No começo eu não tenho ilusão. Eu vou fazer uma prefeitura suficiente. O objetivo principal é dar qualidade para a saúde no primeiro momento. Daí perseguir o equilíbrio fiscal. E restaurar aos poucos o rosto da cidade que eu considero ferido. Eu estou muito impressionado porque eu fui comprar as luzes do meu pinheirinho na casa França, na rua Barão do Rio Branco e tem cocô de gente na rua. No meio das floreiras todas tem estrume de gente, na temporada do Natal. Isso é uma tragédia, uma humilhação para Curitiba. Não tem uma flor nas floreiras e o Horto está funcionando, a primavera floresceu, tem 9 mil funcionários no Meio Ambiente e não tem cabimento que não lavem a rua, não coloquem flores na cidade.

BP – E o que o senhor acha da proposta da atual gestão de adiar o pagamento do terço de férias dos servidores municipais?

Greca – Tudo o que diz respeito ao ano de 2016 é responsabilidade do prefeito Gustavo Fruet. Eu vou assumir dali para frente. Mas se eu assumir em um quadro em que não possa honrar os compromissos imediatamente, vou ser obrigado a escalonar isso. Não tem outra saída. A ideia é a aplicação dos métodos da empresa privada no serviço público. Tentar fazer uma coisa menos dolorosa possível. Eu também tenho consciência de que se eu tiver que fazer alguma medida amarga, o amargor de uma vez só. Para que depois nós possamos ter sucessivas doçuras.
 

“Transporte terá reintegração gradativa”, afirma prefeito eleito

Greca prevê que retomada de sistema dos ônibus será concluída em até 8 meses
 
Bem Paraná – Logo após a eleição o senhor acertou com o governador Beto Richa (PSDB) a reintegração do transporte coletivo de Curitiba e região metropolitana, começando pela linha CIC-Colombo. Quais serão os próximos passos a partir da posse para que isso se concretize?

Greca – Eu vou formar a equipe da Urbs, que vai conversar com a da Comec (Coordenadoria da Região Metropolitana) e a nossa ideia é uma retomada gradativa da integração, até o horizonte de julho, agosto do ano que vem. Porque tem que acertar as bilhetagens, os trajetos. Tem que recompor algumas ruas que estão muito ruins. E tem que retomar a reposição da frota. Porque a frota está completamente sucateada.

BP – O senhor tem ideia de qual o valor do subsídio necessário para a reintegração. Hoje o subsídio do governo do Estado é de R$ 5,4 milhões mensais, mas fala-se que seriam necessários R$ 9 milhões para a reintegração.

Greca – Não. Mas isso não me compete. A equipe técnica vai fazer. Não vou falar sobre o que eu não conheço. Não sei. Na época vai ser negociado. O compromisso é de apoio do governo. Não houve discussão de valores. A frota vai ter que ser reposta. A tarifa vai ter que ser corrigida. Não é uma vontade do prefeito subir a passagem, mas é uma imposição do contrato e do reajuste dos motoristas e cobradores. Se eu entrar nessa tentação de transformar a tarifa em um patrimônio político, eu vou fracassar como o Gustavo Fruet fracassou.

BP – O reajuste dos motoristas e cobradores e da tarifa, pelo contrato, deve ser definido já em fevereiro, logo no segundo mês da gestão. Como pretende encaminhar essa questão?

Greca – Conversando com a população, mostrando vontade de melhorar. A medida em que for havendo a reintegração, a população vai vendo que há vontade de melhorar os serviços. Eu, por exemplo, acho que posso implantar o Ligeirão Santa Cândida-Portão, também, talvez só fazendo uma estação tubo que está faltando que ficaria entre a avenida Iguaçu e a Silva Jardim, sem estragar a praça do Japão, sem obra física muito grande. Vamos ver se a gente consegue fazer isso logo no primeiro semestre ou trimestre. Porque daí são mais 29 mil vagas no sistema.

BP – As empresas de ônibus falam hoje em um déficit de R$ 35 milhões em 2016, em razão da defasagem entre o número de passageiros projetado e o efetivamente transportado. O senhor tem uma avaliação sobre isso?

Greca – Pode ser verdade, eu vou estudar tudo isso. Não tenho avaliação. Tudo isso vai ser estudado exaustivamente. O contrato vai ser estudado. O contrato que está vigente é diferente do que eu administrei. Eu confesso que ainda não tenho conhecimento de detalhes dele. Tudo vai ser público, transparente e 'preto no branco'.

“Curitiba precisa voltar a ser Curitiba”, diz eleito

Bem Paraná – O senhor assumiu a prefeitura pela primeira vez em 1993, em meio também a uma crise política e econômica. Qual o paralelo que faria com a situação atual?

Rafael Greca – Foi muito grave. Eu sofri muito no primeiro ano, mas mesmo assim fiz a festa dos 300 anos da cidade. E a mesma coisa nós vamos fazer agora. Havia uma carestia absurda, hiperinflação diária. O País estava muito abatido. Por isso eu fiz a festa dos 300 anos. Aquele grande festival de luzes na pedreira (Paulo Leminski), com o concerto do (José) Carreras, do Roberto Carlos, do Paul MacCartney. Uma espécie de 'pajelança' para iluminar o Brasil. E na verdade nós provocamos, pelo otimismo de Curitiba, uma vontade no Brasil de renascer. Eu acredito no poder das cidades. As cidades unidas podem ressuscitar o Brasil. Porque o poder local é que é capaz de dar respostas para o sofrimento do povo. Ninguém mora em Brasília. Eu disse ao ministro da Saúde (Ricardo Barros) que se ele quiser ter presença política em Curitiba, até com vistas à sucessão estadual para sua mulher (a vice-governadora Cida Borghetti), ele tem que mostrar isso aqui em Curitiba atendendo e apoiando os nossos hospitais, os nossos doentes. Vamos por uma coisa na cabeça: de que tamanho era Curitiba em 1880 quando ousou fazer a Santa Casa e botou para funcionar aquele hospital que era maior que a cidade, quase?. E atendeu com heroísmo e qualidade. De que tamanho era Curitiba quando ousou fazer a universidade do Paraná. Começou com os professores pagando para dar aula. Eles compravam a beca. E os alunos pagando para estudar e tinha quinze alunos de famílias pobres que eram sorteados entre os melhores, por meritocracia e que cursavam de graça. Quer dizer, a cidade superava as dificuldades. Nós teremos piorado a olhos vistos? Encarnou aqui uma sub-raça? O que foi que aconteceu? Uma bomba de nêutrons explodiu que de repente a cidade perdeu a capacidade de atender seus pobres, de socorrer os seus doentes, de funcionar com estruturas efetivas? O que foi que aconteceu? Brasília nos sugou tudo?

BP – Nós estamos em momento em que a sociedade está conflagrada em um clima de 'todos contra todos'? Não há mais essa generosidade que havia em outros tempos?

Greca – Precisa haver uma coesão. O meu dever é provocar uma coesão social e convocar Curitiba a voltar a ser Curitiba. Não me interessa se a senhora Madalosso esteve na minha campanha ou no caminhão ou do Ney Leprevost. Me interessa que ela produza polenta, venda galinha, empregue gente e se sobrar alguma coisa, compartilhe com os pobres.

BP – Mas como fazer isso?

Greca – Provocar na sociedade um grande movimento de defesa da cidade e da cidadania. Nós temos que fazer isso já em janeiro. Vai haver dengue. A cidade está suja.

BP – Mas como conciliar isso com as dificuldades financeiras atuais, inclusive com contratos de limpeza suspensos por falta de recursos?

Greca – A gente chama os promotores públicos para eles nos permitirem fazer o (projeto de mutirão de limpeza) 'Tudo limpo'. Convida eles para participar da negociação.
 

Saúde


“Só vou abrir postos com equipe completa”

Bem Paraná – O senhor tem dito que a prioridade no início da gestão será melhorar os serviços de saúde. Como fazer isso diante das dificuldades financeiras da prefeitura?

Rafael Greca – O meu secretário (da Saúde, José Carlos Baracho) está trabalhando durante toda a campanha. Não parou e vai continuar trabalhando. Nós estamos buscando financiamento da Caixa Econômica para os hospitais. Chama 'Caixa Hospital'. Eu fui para Brasília pedir isso. O secretário (Estadual da Saúde) Michele Caputo ficou de antecipar as verbas de gestão do SUS devidas para Curitiba para o semestre de uma vez só. Ele me prometeu isso. Eu estou pedindo kits de medicamentos para o sistema estadual, enquanto eu não consigo comprar pela prefeitura. Vou abrir só os postos de saúde que têm equipes completas. Eu não vou enganar o povo. Convidar você para um posto de saúde que não tem médico. Veja: o restaurante tem que ter do auxiliar de garçom até o chefe de cozinha. Não tem cabimento abrir um restaurante sem cozinheiro. Não é possível oferecer polenta no cardápio se não tem fubá. Então não tem que haver um posto de saúde sem médico e sem remédio, melhor fechar. Do que fingir que existe.

BP – O Congresso aprovou a PEC do Teto de Gastos, que a princípio não se aplica aos municípios, mas fatalmente vai afetar os investimentos e repasses federais para as prefeituras. Isso lhe preocupa?

Greca – Não posso avaliar, mas eu imagino que no social o governo federal não vai fazer nenhum suicídio. Pelo menos na saúde e na educação eu imagino que não. O presidente (Temer) mesmo me disse que quer priorizar o investimento em saúde. Agora resta saber se a República se mantém de pé no ano que vem. Se houver República eu estou bem com a República atual. Se vier uma nova República eu vou conversar com ela. É minha função.
Oficina de Música

“Se tivermos que sofrer, o vexame será deles”

Bem Paraná – O senhor pediu o adiamento da Oficina de Música. A atual gestão diz que ela está mantida. Como fica isso?

Rafael Greca – Se eles ordenarem as despesas sem provimento financeiro serão réus no Tribunal de Contas, na Justiça, por irresponsabilidade fiscal. Se esse moço que está no ICAC (Instituto Curitiba de Arte e Cultura) me desafiar fazendo isso ele vai responder no TC porque eu vou demiti-lo e ele não vai fazer a Oficina de Música. Ou ele pode até fazer. Eu vou até ouvir a música, mas ele paga a conta.

BP – Essa questão não foi discutida pelas equipes de transição?

Greca – Quando eu ganhei, eu fui na prefeitura e pedi as contas. Um mês depois, não tendo nenhum dado fiscal e tendo informações informais de que desde abril a prefeitura não dá dinheiro para o ICAC. E pelo que eu sei até hoje ainda não deu, eu pedi o cancelamento da oficina para evitar um vexame internacional. Se tivermos que sofrer, o vexame será deles, não será meu. E tem outra coisa, a clientela é estrangeira, ela não vota aqui, ela não é importante.

BP – Houve também o cancelamento de edital do fundo municipal de cultura.

Greca – Eu desconheço. Lamento.

Fonte: Bem Paraná

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