Deputados e senadores discutiram, discutiram e, finalizada a reforma política eleitoral, não mudaram a forma como os políticos são eleitos: o brasileiro vai continuar a votar em um candidato a deputado podendo eleger outro. No médio prazo, as mudanças que eles aprovaram tendem a facilitar a governabilidade e a dificultar a vida das pequenas legendas e das chamadas siglas de aluguel. Mas, no curto prazo, para as eleições de 2018, as novas normas eleitorais vão beneficiar os próprios parlamentares, aqueles que são ricos e os grandes partidos – muitos dos quais envolvidos no escândalo da Lava Jato.
Para as eleições do ano que vem, os principais pontos da reforma basicamente fortalecem as grandes siglas, asseguram aos partidos e candidatos dinheiro público para bancar suas campanhas e permitem que candidatos ricos possam gastar grandes quantias de seu próprio dinheiro para se eleger.
Incapazes de financiar seus gastos eleitorais com recursos próprios e proibidos de receberem doações de empresas por decisão de 2015 do Supremo Tribunal Federal (STF), os partidos e os parlamentares vão tirar dinheiro de obras para destinar às campanhas.
O Congresso criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. O fundão eleitoral será constituído por duas fontes de financiamento. Uma são os recursos da compensação fiscal de programas partidários exibidos em cadeia nacional de rádio e TV em anos não eleitorais. Esses programas vão acabar. Como vai sobrar dinheiro que hoje é descontado dos impostos das emissoras (contrapartida pela veiculação da propaganda partidária), os parlamentares decidiram destiná-los às campanhas.
O projeto aprovado ainda prevê que o fundão eleitoral vai receber 30% do valor destinado às emendas das bancadas parlamentares – geralmente recursos destinados a investimentos nos estados. A previsão é de que o Fundo Especial de Financiamento de Campanha terá em 2018 pelo menos R$ 1,7 bilhão para distribuir para campanhas eleitorais.
A distribuição do fundo privilegia os grandes partidos. Apenas 2% do montante será distribuído igualmente entre todas as siglas brasileiras. Os 98% restantes serão divididos de acordo com regras que estabelecem mais dinheiro para as legendas que têm mais deputados e senadores. Portanto, quanto maior o partido, mais dinheiro vai receber.
Além da verba do fundão eleitoral, as siglas políticas também terão à disposição no ano que vem mais R$ 1 bilhão do Fundo Partidário – que já existe e pode ser usado em campanhas eleitorais. Na prática, as legendas terão, no mínimo, R$ 2,7 bilhões em 2018.
Vantagem eleitoral para os ricos
Na última hora, os senadores também retiraram da reforma eleitoral um dispositivo aprovado pelos deputados que limitava em R$ 200 mil o valor máximo que cada candidato poderia investir do próprio bolso em sua campanha.
Candidatos ricos, portanto, terão uma vantagem ainda maior em relação aos demais. A legislação estabelece tetos de gastos para as campanhas que, porém, são muito superiores a R$ 200 mil: no caso de candidatos a senador pode chegar a R$ 5,6 milhões (dependendo do estado); concorrentes a uma vaga na Câmara podem ter despesas de até R$ 2,5 milhões; e candidatos a deputado estadual, de até R$ 1 milhão. Na prática, esses limites podem agora ser atingidos apenas por autodoação.
Os concorrentes com mais dinheiro também terão mais uma vantagem: uma nova plataforma para fazer propaganda. A publicidade paga na internet era proibida até a eleição passada. Agora será permitida.
Já os políticos tradicionais, que corriqueiramente participam de eleições e eventualmente levam multas eleitorais, também ganharam um alívio adicional no bolso. O prazo para quitação dos débitos com a Justiça Eleitoral, que já era alto (até 5 anos), poderá ultrapassar esse tempo.
A outra modificação na legislação que já vale para 2018 é a chamada cláusula de desempenho partidário. Pela emenda constitucional aprovada e já promulgada pelo Congresso, partidos que não tiverem votações expressivas para deputado federal deixarão de receber recursos do Fundo Partidário e perderão tempo da propaganda eleitoral no rádio e na televisão.
A cláusula de desempenho terá três efeitos. Um deles é diminuir o número de partidos pequenos no Congresso – o que teoricamente facilitará a governabilidade dos presidentes eleitos, que teriam que negociar com menos siglas. As legendas de aluguel, geralmente siglas pequenas, também serão enfraquecidas.
Ao mesmo tempo, os grandes partidos serão beneficiados. Isso porque as novas regras, embora assegurem o mandato ao deputado eleito pela sigla que não atingir o patamar mínimo de votos, permite que ele mude de legenda sem risco de perder a cadeira na Câmara por infidelidade partidária.
Como o partido em que ele se elegeu não terá dinheiro do fundo e tempo de tevê na eleição seguinte, a tendência é que esse parlamentar migre para algumas das grandes agremiações partidárias do país – que sairão fortalecidas.
A emenda constitucional da cláusula de barreira criou regras de transição entre 2019 e 2031. Ao longo do tempo, o desempenho dos partidos terá de ser melhor para eles terem acesso ao fundo e ao tempo da propaganda eleitoral.
Após as eleições do ano que vem, serão exigidos 1,5% dos votos válidos distribuídos em pelo menos nove estados ou uma bancada mínima de nove deputados federais em nove estados. A partir de 2031, a exigência será de 3% dos votos válidos em pelo menos 9 estados ou uma bancada mínima de 15 deputados federais de nove estados.
Levantamento da deputada Shéridan Oliveira (PSDB-RR) mostra que, se as regras da cláusula previstas para 2018 já estivessem em vigor nas eleições de 2014, 14 partidos seriam prejudicados: PCB, PCO, PEN, PHS, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSDC, PSL, PSTU, PTC, PTdoB e PTN. As demais siglas não seriam afetadas.
A reforma eleitoral também aprovou o fim das coligações nas eleições legislativas. Mas não para 2018. A medida só terá validade nas eleições municipais de 2020 – pior para os vereadores. Quando a norma estiver em vigência, os partidos não poderão mais se coligar para eleger deputados e vereadores.
A mudança tende a acabar com uma distorção do sistema político brasileiro: o eleitor votava no candidato de um partido e ajudava a eleger representantes de outras siglas que, muitas vezes, não tinham qualquer afinidade ideológica com a outra legenda.
Mas, como o sistema de voto proporcional não foi modificado, o eleitor ainda poderá continuar votando num candidato e elegendo outro. Só que do mesmo partido.
A mudança mais esperada na reforma política – o voto distrital –, por ora, não veio. Mas ainda há uma pontinha de esperança. Nesta quinta, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirmou que colocará em votação no plenário, no próximo dia 17, um projeto de lei de autoria dele e do senador José Serra (PSDB-SP) que prevê a adoção do modelo distrital misto nas eleições proporcionais. A mudança só seria aplicável a partir de 2020.
Eunício Oliveira demonstrou confiança na aprovação do voto distrital misto, que é defendida também pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. As discussões em torno do voto distrital misto não avançaram no Congresso a tempo de viabilizar a implementação para 2018.
Fonte: Gazeta do Paraná
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